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  • Fonte: Geraldo Nunes

Quatro anos depois dos acontecimentos que levaram à Revolução Constitucionalista de 1932, um livro com uma pequena biografia de 634 heróis que morreram pela glória de servir a São Paulo foi publicado com o título “Cruzes Paulistas”

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A obra intitulada “Cruzes Paulistas”, fez parte de uma campanha desenvolvida para a construção do obelisco e do mausoléu existentes hoje no Ibirapuera e, em 2014, houve a reedição pela Imprensa Oficial do Estado, graças ao empenho de seu então diretor, Carlos Tauffik Haddad, da Sociedade dos Veteranos de 32 e o incentivo do Centro de Memória Eleitoral – Cemel do TRE-SP como forma de elucidar fatos daquela epopeia às novas gerações.

Fonte documental de relevância para historiadores e estudiosos do assunto “Cruzes Paulistas” é, segundo descrição feita à época do relançamento pelo poeta Paulo Bomfim, “a Bíblia da Revolução”. Dessa importância cívica e histórica, veio a proposta da reedição autorizada pela Thomson Reuters – Revista dos Tribunais, órgãos responsáveis pela primeira publicação. Em seu contexto os coordenadores do levantamento realizado em 1934, admitiram possíveis falhas por não constarem todos os nomes dos que morreram pela causa paulista naquela guerra civil.

Estimativas apontam para aproximadamente mil mortos, “… não obstante, o acurado trabalho desenvolvido durante meses, se fez constante o pedido pelos jornais e pelo rádio, para que a população colaborasse indicando nomes de parentes e amigos sepultados após o conflito…”, explica o prefácio.

Já na apresentação a obra retrata passagens dos acontecimentos históricos ao contar que, “…no último dia de setembro conhecemos a dor da derrota e um sentimento de decepção sacudiu a alma de todo o povo. Sofremos. Choramos. Por uns poucos toda a população se sentiu como manietada, incapaz até de uma repulsa à situação… mas os soldados chegavam da fronteira dia a dia, hora a hora, desembarcavam na capital do Estado. Suas almas sangravam. O grito, no entanto, foi ouvido… formou-se a assembleia que elaborou a nossa Magna Carta e a 16 de julho de 1934 era assinada a Constituição dos Estados Unidos do Brasil…”

Em 8 de julho de 2014, a Academia Paulista de História – APH, promoveu junto com o Centro de Integração Empresa Escola – CIEE, então sob a presidência do professor Luiz Gonzaga Bertelli, uma comemoração cívica à Revolução Constitucionalista de 1932 que entregou gratuitamente a cada um dos presentes um exemplar da publicação. Esta solenidade aconteceu na manhã daquela fatídica partida de futebol em que a seleção brasileira perdeu para o selecionado alemão por 7 a 1 na Copa do Mundo que se realizava no Brasil, mas a expectativa do jogo, não impediu que o auditório do CIEE ficasse lotado por uma maioria formada por estudantes interessados em entender os motivos da revolução ocorrida 82 anos antes.

Entre os discursos de vários intelectuais presentes, entre os quais o saudoso educador Paulo Nathanael Pereira de Souza e o poeta Paulo Bomfim, foi citada a figura de um paulista que encarnou a angústia do povo e se tornou o porta-voz dele na praça pública, Ibrahim Nobre, jurista e orador brilhante que não deixou à posteridade nenhuma obra publicada. “Quem o conheceu, sabe que ele foi o mais apaixonado entre todos os que já se dispuseram a falar das coisas de Piratininga, ressaltou na ocasião o poeta Paulo Bomfim, ao evocar a figura do jurista contando sobre ele uma passagem interessante em breve discurso:

“Oito de julho de 1932, no Largo da Sé, o comício fervia indignação. Corria de boca em boca a notícia que Oswaldo Aranha, porta-voz do ditador Getúlio Vargas, encontrava-se em São Paulo, na Vila Kyrial, em Vila Mariana, na residência de seu parente, o senador Freitas Valle. Os manifestantes enfurecidos saem rumando para esse local, o tribuno Ibrahim Nobre fala a seu amigo Menotti Del Picchia que o acompanhava: – Vamos pegar um carro e ir para lá. No relato que o autor de ‘Juca Mulato’ me fez, chegaram os dois quando o povo se preparava para arrombar os portões da histórica mansão.

Ibrahim sobe numa mureta e encostando o revólver na têmpora brada: – ‘Paulistas, se vocês mancharem as mãos num gesto de covardia, eu me mato de vergonha!’. A multidão que o venerava, respeita sua voz e pouco a pouco vai se dispersando. O orador com aquele gesto salvara a vida do inimigo político. Anos mais tarde indaguei a ele o que haveria acontecido se sua ordem não fosse cumprida. E ele me diz: – ‘Eu teria me matado, porque há passos que não tem retorno’. Esse era o Ibrahim que quando promotor, a partir de 1930, bradava no Tribunal do Júri: ‘Acuso ditadura’! Plantava-se no Palácio da Justiça a semente da revolução que lutaria pela lei e pelos brios de nossa gente”. Deste modo, Paulo Bomfim encerraria seu memorável e breve discurso largamente aplaudido pelos presentes. Na mesma cerimônia promovida pela APH e CIEE foram entregues aos profissionais da mídia e apoiadores da causa constitucionalista duas honrarias da Academia Paulista de História, o Colar Carlos de Souza Nazareth e a Medalha Hernâni Donato.

Naquela oportunidade também fizemos uso da palavra, em nossa rápida alocução, fizemos questão de ressaltar a participação das mulheres residentes em São Paulo que, em número acima de 100 mil, ofereceram serviços às organizações de apoio, como por exemplo, na costura dos uniformes dos voluntários e na confecção de agasalhos, pois o inverno de 1932 foi dos mais rigorosos, além dos trabalhos de enfermagem.

Foram mais de 440 mil fardas confeccionadas de graça, com as costureiras se revezando em turnos diurnos e noturnos à frente de 800 máquinas de costura sob os auspícios da Associação Comercial de São Paulo e das indústrias. Salientamos aos jovens presentes que quando pensarmos em transparência na política e honestidade para com os cidadãos estaremos expressando os ideais dos constitucionalistas de então, cujo principal objetivo estabelecer a plena democracia no Brasil e assim se fez. A postura do povo paulista de 1932 serviu de limiar para o surgimento das raízes democráticas trazidas pela Constituição promulgada em 1934, exemplo de civismo para os dias de hoje.

Geraldo Nunes, jornalista, escritor e consultor literário, é titular da cadeira 27 da Academia Cristã de Letras - ACL