Slide
  • Fonte: Carlos Alberto Di Franco

O núcleo da sua mensagem era inequívoco: o trabalho e a vida cotidiana são lugares de encontro com Deus

 jose maria escrivá 2 be906

Há cinquenta anos, no dia 26 de junho de 1975, falecia em Roma São Josemaría Escrivá, fundador do Opus Dei. Sua morte não foi o fim, mas o início de uma presença mais profunda. Passadas cinco décadas, sua figura não esmaeceu. Pelo contrário: continua iluminando com força o caminho de milhares de pessoas. A razão é clara. Não se trata de uma devoção puramente afetiva. Trata-se de um legado espiritual robusto, exigente e, sobretudo, profundamente humano. São Josemaría ensinou algo revolucionário, e ao mesmo tempo, simples: a vida comum – com seus deveres, dificuldades e alegrias – pode ser um caminho de santidade.

Em 1974, um ano antes de sua morte, São Josemaría esteve no Brasil. Foi uma visita breve, mas marcante. Enamorou-se do País e de seu povo. “O Brasil!”, exclamava com entusiasmo, diante de milhares de pessoas no Anhembi, em São Paulo. “A primeira coisa que vi foi uma mãe grande, bela, fecunda, terna, que abre os braços a todos.” Não era retórica. Era verdade do coração. Como ensinava o padre Antônio Vieira, “os olhos veem pelo coração”. São Josemaría viu o Brasil com um olhar entusiasmado, generoso e esperançoso.

Não ficou apenas no calor humano dos encontros. Enxergou também nossos vazios e nossos desafios. “No Brasil há muito a fazer”, afirmou com a franqueza de quem ama. Falava dos que não conhecem Cristo, dos que vivem sem acesso à educação ou dignidade, dos idosos esquecidos, dos doentes abandonados. Era um apelo direto à consciência cristã. Um convite ao compromisso social de quem crê, reza e age. Um chamado concreto à fé operante.

São Josemaría não veio como turista nem como visitante curioso. Viveu sua breve estadia como alguém que já se sentia em casa. Declarou, emocionado, num encontro com famílias: “Tenho um grande remorso: não ter vindo antes ao Brasil”. Para ele, esta terra simbolizava uma esperança concreta de convivência, de fraternidade, de futuro. Era uma intuição espiritual, quase profética.

O núcleo da sua mensagem era inequívoco: o trabalho e a vida cotidiana são lugares de encontro com Deus. A santidade não é monopólio de monges ou padres. O engenheiro, a dona de casa, o médico, o estudante, o agricultor, o jornalista, todos estão chamados à santidade. Uma santidade sem exibicionismos, mas real. Uma santidade que se constrói no ordinário, no escondido, no fiel cumprimento dos próprios deveres. Não é necessário sair do mundo para encontrar Deus. Basta viver com Ele, ensinava. Essa ideia, aparentemente simples, é revolucionária. Muda o eixo da vida cristã: da evasão à encarnação; da teoria à prática.

Num tempo marcado por relativismos morais e polarizações agressivas, o pensamento de São Josemaría é uma âncora segura. Ele não via conflito entre verdade e liberdade. Pelo contrário: defendia que uma exige a outra.

A verdade liberta. E a liberdade exige compromisso com o bem. Rejeitava com firmeza a ideia – hoje tão comum – de que convicções firmes são sinônimo de intolerância. A convivência verdadeira se constrói com respeito e diálogo.

Como jornalista, chamo a atenção para um aspecto menos conhecido da vida de São Josemaría: sua visão sobre comunicação. Era um homem profundamente comprometido com a verdade. Defendia a liberdade de expressão, mas jamais a separou da responsabilidade moral. “Informem com fatos, sem julgar intenções”, recomendava.

Para ele, o jornalismo não era trincheira ideológica, mas serviço à verdade. Um bom jornalismo deve formar, não deformar; esclarecer, não manipular. Essa lição, hoje, é mais atual do que nunca. Num mundo dominado por narrativas distorcidas, fake news e desonestidade intelectual, a ética da informação precisa voltar ao centro.

São Josemaría era, acima de tudo, um homem de fé alegre. Via os problemas do mundo, sim, mas acreditava na força da graça. Seu otimismo não nascia da ingenuidade, mas da confiança profunda em Deus.

Cinquenta anos depois de sua morte, sua figura cresce. Torna-se mais clara. Mais luminosa. São Josemaría é lembrado não como alguém que nos propôs uma vida fácil, mas como quem apontou um caminho exigente – e possível. Um caminho de fidelidade, de coerência, de amor concreto. Um cristianismo de carne e osso. Um cristianismo encarnado nas tarefas do dia a dia, vivido no trânsito, na sala de aula, na redação, na cozinha, na lavoura, no hospital. Um cristianismo que não foge da cruz, mas também não perde a esperança.

Vivemos tempos de grande fragmentação cultural, moral e espiritual. Tempos em que o ruído é constante, o vazio é disfarçado de prazer e o relativismo mina as convicções mais básicas. Nesse cenário, São Josemaría é farol. Mostra que a fé cristã continua sendo resposta. Que o Evangelho não está superado. Que a santidade é possível. Que o amor, a verdade e o serviço ainda têm sentido.

Não se trata de saudosismo. Trata-se de gratidão e responsabilidade. Gratidão por um testemunho que marcou a história. Responsabilidade de continuar sua missão. Porque algumas vozes, mesmo depois da morte, continuam a falar. São Josemaría é uma dessas vozes. E muitos continuam – e continuarão – escutando.

 

Carlos Alberto Di Franco, jornalista, ocupa a cadeira 14 na Academia Cristã de Letras – ACL e mantém coluna quinzenal em O Estado de S. Paulo, aqui reproduzida